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Brincar faz bem para a saúde

E não só a física. Funciona para cuidar também do emocional - algo cada vez mais urgente devido ao momento único que vivemos. E isso vale para a família toda. Pesquisas recentes de importantes instituições internacionais vêm reforçando que adultos e, principalmente, crianças têm sofrido profundamente com o isolamento e a falta da rotina de antes. Felizmente, um dos antídotos mais eficazes para minimizar esse impacto é simples: usar e abusar da brincadeira. Vamos nessa?

Ninguém imaginava ficar tanto tempo em isolamento

Quando a quarentena começou, lá em março, se dissessem que em outubro muitos de nós ainda estaríamos em casa, com as crianças sem ir à escola todos os dias, provavelmente diríamos “ah, isso é impossível”. Bom, cá estamos. Quais os efeitos disso na nossa vida? A lista é enorme, tem pontos negativos (e outros positivos, sim!) em diversos aspectos, mas um deles chama a atenção a saúde mental. Nós, adultos, estamos abalados por inúmeros motivos, que podem variar, como perda de emprego, instabilidade financeira, dificuldades no relacionamento, sobrecarga e o próprio fato do distanciamento social, da falta de contato com o outro, de nos sentirmos presos sem saber quando teremos nossa vida de volta. Nós, que somos maduros o suficiente para entender a gravidade do cenário que enfrentamos (bom, nem todos…), ainda assim sofremos para manter a cabeça no lugar e não surtar.

Por que, então, esperamos que nossos filhos saibam lidar com a situação e saiam ilesos disso tudo? “Ah, mas são só crianças, elas tiram de letra” ou “elas lidam muito melhor que nós, estão achando ótimo ficar em casa com os pais”. Será mesmo? Ou será que esse pensamento não está apenas criando uma invisibilidade das crianças em meio a todos os percalços dessa pandemia? “Existe até uma banalização disso, principalmente em relação à criança pequena, de achar que está tudo bem e que ela não sofre nenhum impacto. Não é bem assim. As conexões neurais acontecem em um ritmo acelerado na primeira infância e dependem do ambiente. Como a criança está em um período muito restrito de estímulos, isso gera um estresse grande e provoca sofrimentos a ela, que se coloca para fora de diferentes maneiras”, diz a neuropediatra Liubiana Arantes Araújo, presidente do Departamento de Desenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria.

É natural que o ambiente influencie, levando a uma sequência lógica e tensa: pandemia, o medo do vírus, a preocupação com a saúde e a economia deixam os adultos em estado de alerta e preocupados, o que acaba refletindo no emocional das crianças que convivem com eles. Segundo o estudo Rapid Assess ment of Pandemic Impact on Development Early Childhood Household Survey Project ("Projeto de pesquisa domiciliar na primeira infância - avaliação rápida do impacto da pandemia no desenvolvimento", em tradução livre), da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, a angústia dos cuidadores está se propagando em cascata para as crianças, de uma maneira que pode ser tóxica a curto e longo prazos. Os autores do projeto alertam justamente para o fato de que a primeira infância é o período mais importante para o desenvolvimento cerebral e é quando o órgão é mais afetado pelo que acontece ao redor. Os dados da pesquisa confirmam o que nos vemos na prática, no nosso dia a dia: 68% dos cuidadores relataram aumento considerável do estresse se comparado ao período anterior à pandemia, e 78% afirmam que suas crianças vem apresentando problemas no comportamento.

CONEXÃO E TRANSPARENCIA

Como os pequenos aprendem também por imitação, a forma como os adultos lidam com o estresse em casa vai impactar na vida delas, não tem jeito. Mas isso não quer dizer que você deva esconder suas emoções dos seus filhos, “Os pais precisam, sim, dizer que estão do chegando ao seu limite, que estão chateados e contam com a ajuda deles para que a casa se torne um ambiente melhor para todos. É essencial ter essa conexão com as crianças e ensinar a elas sobre a importância de se expressarem também. Elas buscam por estabilidade e segurança, e isso são os adultos que podem lhes dar. Por isso, saber lidar com as situações de uma melhor maneira, com paciência, resiliência e uma dose de otimismo vai auxiliar as crianças a passar por esse momento tão delicado”, afirma a psicóloga infanto-juvenil Talita Pupo, de Belo Horizonte (MG).
Outro estudo também confirma o quanto a pandemia impacta as crianças, em especial em relação à saúde mental. Ele foi realizado pelo Co-SPACE – CO VID-19 Supporting Parents, Adolescents, and Children in Epidemics (“Apoiando pais, adolescentes e crianças em epidemias”, em tradução livre), da Universidade de Oxford, na Inglaterra, com mais de 10 mil famílias. Baseados nas respostas de pais ou cuidadores de crianças entre 4 e 10 anos, os pesquisadores detectaram que elas são as mais vulneráveis em todos os três quesitos estudados: dificuldades emocionais, comportamentais e de concentração e atenção.

“Priorizar a saúde mental de crianças e jovens durante e após a pandemia de covid-19 é fundamental. Nossas descobertas destacam que há uma grande variação em como eles foram afetados, então precisamos continuar atentos as famílias para ajudá-las, dando suporte para que isso não tenha consequências a longo prazo”, afirma a professora Cathy C well, da Universidade de Oxford, uma das autoras do estudo.
E isso mesmo que sentimos na pele, ainda que, muitas vezes, não percebamos logo de cara que aquele comportamento do nosso filho pode estar relacionado a quarentena. “A pandemia foi muito benevolente com as crianças do ponto de vista da doença (elas se contaminam e morrem menos e são mais assintomáticas), ainda bem. Por outro lado, ao ter provocado a necessidade de isolamento, vem sendo muito difícil para elas. O efeito na saúde física, mental e emocional pode ser devastador”, alerta o pediatra Daniel Becker, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

EFEITOS DIFÍCEIS

Seu filho vem demonstrando algum comportamento incomum? Reclama de dor sem causa aparente? Reflita: será mesmo que é coisa da idade, birra ou frescura? Provavelmente, não.
A criança, muitas vezes, não sabe expressar o que sente, e algumas reações podem estar direta mente ligadas ao estresse do confinamento e todas as consequências que a pandemia traz. Choro excessivo, irritação por motivos “bobos”, ansiedade, dificuldade para dormir, mudanças no apetite, cansaço, regressão (como voltar a fazer xixi na cama ou usar chupeta), roer as unhas, morder a gola da camiseta, ou até mesmo sintomas mais físicos, como dor de barriga, tontura alergias na pele ou dores de cabeça. Tudo isso demonstra que alguma coisa está errada. “Uma das formas de comunicação da criança quando algo não vai bem é a somatização: o corpo sinaliza e avisa que existe uma questão emocional que precisa ser atendida”, explica a neuropsicóloga Camila Machuca, especialista em Parent Child Interaction Therapy pela Universidade de West Virginia, nos EUA. Ou seja, é preciso estar atento e aberto a ouvir o seu filho, mesmo quando ele não sabe falar direito. Perceber esses sinais é fundamental para saber como agir e buscar ajuda especializada, se achar necessário.

PARA TODO MAL, A CURA

Certamente, depois de ler a reportagem até aqui você já deve estar se perguntando: “O que eu posso fazer para amenizar esses efeitos da pandemia no emocional do meu filho?.” Respire e acalme-se: é possível atuar de várias maneiras, como tirar um tempo por dia (nem que seja meia hora) para dar atenção exclusiva a ele; ensiná-lo a reconhecer e nomear os sentimentos; conversar muito e sempre. Mas sabe qual o principal remédio para essas questões todas? Brincar. É isso mesmo.

A brincadeira é a linguagem da criança e primordial para o desenvolvimento infantil. “O brincar tem múltiplos benefícios, e um fundamental é que o lúdico ajuda a criança a perceber o sentido do mundo em que vive e a colaborar na brincadeira situações vivenciadas em seu cotidiano. E um momento de expressão emocional, por meio do qual a criança pode comunicar o que está sentindo, diz neuropsicóloga Camila Machuca. Ou seja, nesta fase de pandemia, seria a melhor maneira de fazê-la entender o que estamos vivendo e também saber o que se passa na cabeça dela. Na brincadeira do faz de conta, por exemplo, em que ela se coloca no papel de outras pessoas, pode criar cenários, enredos que têm uma relação bastante importante com o que está sentindo, como o medo.

Tem mais: o ato de brincar está diretamente ligado à saúde mental de diversas maneiras, começando por seu papel no desenvolvimento cerebral da criança. Brincar ajuda a moldar o cérebro, especialmente nos primeiros anos de vida. A pedagoga Josiana Martins, especialista em Neuroeducação e Primeira Infância pelo Centro Internacional de Neurociência para o Desenvolvimento Humano (instituição presente em sete países latino-americanos e nos Estados Unidos), reforça que o cérebro segue crescendo depois do nascimento e que as experiências, os estímulos, as exigências e os desafios do ambiente criam novas conexões, reforçam as existentes e constroem os circuitos neuronais. Daí, a importância do brincar como ativador positivo para a estruturação e organização neurológica, já que ele integra tanto os sistemas sensorial como o motor, social, cognitivo e emocional. “As experiências sensoriais, produtos das atividades de exploração dos primeiros anos, são um fator muito importante para o crescimento cerebral dessa etapa da vida, já que a qualidade delas tem um forte impacto na densidade e nas conexões neuronais. Essas conexões se formam e se fortalecem graças às experiências multissensoriais, às ações e às emoções que o meio oferece”, explica. Ainda segundo ela, as brincadeiras que estimulam o movimento permitem maior oxigenação do cérebro, melhoram habilidades cognitivas, favorecem a plasticidade, a neurogênese (processo de formação de novos neurônios) e estimulam capacidades mentais, sociais e emocionais.

ESPAÇO PARA O BRINCAR

Ufa… agora que ficou ainda mais evidente o quanto o brincar é importante, vale se questionar: será que estou proporcionando experiências de brincar ao meu filho nessa quarentena, como deveria? Você pode pensar que, com a rotina insana com home office, afazeres domésticos e aulas online, é impossível ter tempo para se divertir junto. Bom, há dois pontos a levantar: o primeiro é que criar oportunidades para brincar não significa parar necessariamente para fazer isso com o seu filho o tempo todo por horas a fio (claro, se você puder e quiser, ótimo!), mas também ensinar ao pequeno que ele é capaz de brincar sozinho, de lidar com o tédio, de organizar as brincadeiras dentro de algo que prenda sua atenção. “As crianças vêm perdendo essa relação com o brincar porque os pais não conseguiram se colocar no papel de quem incentiva essas brincadeiras. Os adultos se distanciaram muito da importância do brincar em função das mil coisas que tinham para fazer, e os filhos foram adormecidos em frente à televisão nos últimos seis meses. A televisão e as telas, em geral, são um recurso muito fácil para silenciar a crianças, mas isso tem um preço”, alerta educadora parental Lua Barros, especialista em equilíbrio emocional. Segundo ponto é que também tem relação com estabelecer suas prioridades e uma rotina para elas. Se um momento de brincadeira com seus filhos for uma delas (tanto para você espairecer quanto para tirar seu filho da tela e favorecer o de desenvolvimento dele, como vimos anteriormente), coloque mesmo na agenda, com hora marcada se for preciso “O brincar é uma forma poderosa de conexão entre filhos e pais, o que colabora para o abastecimento do tanque afetivo da criança, ajudando-a a ser mais resiliente, paciente, cooperativa, empática e superar momentos difíceis”, afirma a neuropsicóloga Camila Machuca.

TEMPO DE MUDAR

Para Luciane Motta, diretora da Casa do Brincar, em São Paulo (SP), o adulto precisa lembrar que já foi criança. É muito difícil dar conta de tudo que temos para fazer, mas a infância é muito curta, é uma fase da vida que não volta mais. Respirar, ter paciência, perder a vergonha, fazer careta, rolar no chão.. é fundamental. Criança aprende pelo exemplo, então a gente precisa se esforçar para dar o nosso melhor, ainda mais nesse momento em que estamos convivendo tão intensamente, para que elas se tornem os seres humanos que nós gostaríamos que fossem”, afirma.A brincadeira representa o mesmo que para um adulto ver um bom filme ou ler um livro, é um jeito de acalmar alma e dar soluções para além do medo.

 Se focarmos somente no vamos achar que tem vírus em todas as partes vamos enlouquecer. A brincadeira colabora para as crianças não serem tão influenciadas pela violência das informações. Brincar é a salvação, pois possibilita que crianças e adultos saiam da literalidade de situação, defende a educadora Gisela Wjikusp (SP), doutora em Educação com pesquisas sobre o Brincar na Infância. Uma pesquisa da Universidade de Parisceton, nos Estados Unidos, mostrou, inclusive, que, quando bebes e adultos interagem durante as brincadeiras, com contato visual e compartilhando brinquedos, atividades neurais apresentam suas semelhanças. Incrível, como Brincar é bom em a em qualquer circunstância. Claro que, quando seu filho brinca com um amigo, ele ganha muito troca e a consciência com o que acontece nesse momento, como esperar a vez, dividir, respeitar o espaço de todos, expressar sentimentos e necessidades, entender que comportamento dele tem efeito no outro. Mas brincar sozinho também tem seus benefícios, como estimular a imaginação ganhar independência e autonomia e aprender a gostar de sua própria companhia. No entanto, para amenizar a saudade do contato com outras crianças, nessas horas, use a tecnologia a favor e estimule a brincadeira com os amigos a distância, já que é o que temos por hoje.

A NATUREZA COMO ALIADA

Outro fator que vem mudando a relação com o brincar nessa quarentena é a impossibilidade do movimento, do estar ao ar livre, em contato com a natureza (sortudos aqueles que moram em casa com um quintal). Uma pesquisa da Hasselt University, Belgica, mostrou que o simples fato de uma criança crescer em uma vizinhança com bastante área verde aumenta a inteligência e diminui os problemas de comportamento. Isso porque é possível na natureza explorar tudo o que a criança pode ser e o potencial do brincar livre. Infelizmente, estamos com essa restrição. Mas, depois de seis meses em casa, isso começa a se tornar impraticável.

O pediatra Favio Melo, de Batmanras (PB), também alerta par importância do contato das crianças com ambientes ao ar livre, agora mais do que nunca “Indico que as famílias busquem uma saída segura para os pequenos em busca da natureza, só a família, sem aglomerar ou correr riscos. Eles se transformam ao se reconectar com o meio ambiente. Importante frisar que o vírus não se prolifera na areia, na terra, nem em um tronco de árvore”, reforça.
Não dá para usar o parquinho? A diretora da Casa do Brincar, Luciane Motta, lembra que isso não é um problema. “É possível brincar de pegar folhas para fazer uma colagem em casa depois, observar as minhocas, ficar sentado na praça de olhos fechados escutando os passarinhos e dá para ver gente! Ainda que não se possa interagir diretamente, essa vivência social é importante”, conclui.

Seja ao ar livre ou em casa, seja por uma manhã inteira ou apenas meia hora, seja com brinquedos ou materiais recicláveis, seja sem brinquedos, usando apenas a imaginação, a conclusão é uma só: nessa pandemia, o brincar sempre salva.

Matéria original da Revista Crescer. 

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