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Sobre limites e liberdade

Pais que cresceram muito livres acabaram perdendo referências e hoje se veem confusos entre o diálogo e a imposição de regras. Se você se enxerga nesse impasse, vamos ajudar a encontrar caminhos para enfrentar a jornada desafiadora de educar os filhos.

Crianças desafiadoras, críticas e contestadoras. Pais perdidos entre a conversa e o castigo, inseguros na forma de agir e impacientes na sua busca pela solução de conflitos. Com a atenção dividida entre
o acesso a todo tipo de informação e a procura interna por experiências e vivências pessoais. No horizonte de tudo isso, a tentativa de estabelecer os limites. Os da criança, os dos pais, os da sociedade.
Por que essa relação anda tão conflituosa? Sempre foi difícil estabelecer essas fronteiras e conquistar a autoridade? Sendo essa geração tão diferente da de seus pais, faz sentido educá-la da mesma forma? A resposta para tudo isso é “sim” Mas para cada pergunta há uma explicação, e para os questionamentos há reflexões possíveis. Vamos tentar entender…
Segundo especialistas que estudam a educação de crianças ao longo de gerações, estamos vivendo um momento peculiar em relação aos limites. Quem está criando filho hoje é diferente de quem criou no passado e vive em uma sociedade também bastante distinta. Essas mudanças implicam na educação das crianças.
Um estudo publicado no final de 2018, nos Estados Unidos, pelo pesquisador Patrick Ishizuka, da Cornell University, mostrou que a maioria dos pais de hoje está dedicando mais tempo e dinheiro para os filhos do que faziam na década de 60. Ele aponta que 75% dos 3.600 pais pesquisados no país consideram que uma abordagem centrada na criança e que exige muito tempo para cuidar delas é a melhor maneira de cria-las. O pesquisador chama esse fenômeno no de “paternidade intensiva”.

No entanto, o diferencial dessa dedicação – comparada aquela quase exclusiva que, sobretudo a mãe, dava aos filhos na década de 60- é que hoje ela é focada mais nas expectativas dos pais em relação ao sucesso das crianças do que na sua formação como indivíduo.
Os resultados da pesquisa sugerem que os pais estão passando por uma pressão para gastar tempo e grandes quantias de dinheiro com a preocupação de que os filhos sejam bem-sucedidos.

PARA ENTENDER OS PAIS

A escritora e filósofa Tania Zagury, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem 34 livros dedicados a compreender as relações entre filhos e pais desde a década de 60. Ela explica que foi exatamente naquele momento que a percepção sobre a educação mudou radicalmente. Até então, havia uma hierarquia forte na família, que dava limites de forma rígida. O pai estava no topo da organização, ocupava papel de juiz e provedor financeiro e era chama do em momentos mais decisivos. A mãe estava no meio e os filhos, na base. “Naquela época, bater era considerada uma medida educativa lícita e efetiva”, explica. Medida que, sabemos, não educa, só gera medo, não faz nenhum sentido.

“A revolução estudantil na França, em 1968, repercutiu em todos os países do Ocidente, como um movimento de liberdade de uma maneira geral, e isso refletiu-se na educação das famílias”, diz Tania. “Os jovens que participaram desses movimentos, já sob a influência da psicanálise de Freud, começaram a difundir isso na política e na educação dos filhos.”
O que se segue é uma geração de pais que radicalizam para o outro lado. Da repressão à liberdade total – mas eram leigos e não conseguiram prever as consequências disso. Os pais que criam filhos hoje são os filhos dessa geração.
Embora parte queira dar limites e entenda essa necessidade, eles não sabem bem como fazer e têm dificuldade de abrir mão de seus próprios quereres. 

“Quem não recebeu limite também não gosta muito deter o trabalho de impor. Dar limite é chato, dificil, cansativo, são anos de trabalho diário e ininterrupto”, afirma Tania.
O que se tem observado é uma corrida a especialistas em busca de soluções rápidas e que sejam eficazes como aplicativos. “Vejo pais que pedem remédio para fazer o filho de 2 anos dormir, mas o problema está na rotina deles próprios”, diz a pesquisadora. “Para ensinar respeito ao outro têm uma babá, para resolver um problema na escola chamam um professor. Eles terceirizam a questão dos limites porque não sabem lidar com ela.

PARA ENTENDER OS FILHOS

O psicanalista Christian Dunker, da Universidade de São Paulo (USP), autor do livro O Palhaço e o Psicanalista (Ed. Planeta), explica que as relações interpessoais estão cada vez mais funcionais, e que a pressão por resultados rápidos tem impedido que pais dediquem tempo para escutar seus filhos. “A consequência são crianças que crescem individualistas, pouco aptas ao compartilhamento, muitas vezes egoístas, sem capacidade de empatia. Todas as outras habilidades socioemocionais advêm da escuta.”

Os limites crescem e se tornam mais eficazes quando são transgredidos, se fundo Dunker. “A criança precisa deles para poder infringi-los e recompô-los. E quebrando regras que se aprende a pedir desculpas, a consertar relações, reparar e curar nosso laço com o outro. E normal e saudável que ela não aceite o primeiro não e desobedeça de novo e de novo.”
Para os pesquisadores, os pais têm uma força enorme junto aos filhos na primeira infância, daí a importância da presença de normas bem definidas desde cedo.

A educadora parental Lua Barros diz que essas questões são comuns entre os pais que a procuram em busca de melhorar o relacionamento com os filhos. “E duro remar contra a maré, porque é difícil fazer a criança perceber que nós a estamos preservando. Ela é regida pela vontade de pertencer, de estar em um grupo e pode, mesmo, ficar excluída”, explica. “A partir das escolhas dos pais sobre o que irão ou não permitir, é preciso fortalecer emocionalmente o pequeno para que ele consiga lidar com os amigos.”
Sonegar o acesso, principalmente dos eletrônicos, segundo Lua, cria uma barreira entre os pais e os filhos. Mas, se a decisão for negar, preciso ajudar a criança a construir um repertório para entender por que não vai ter e indicar a ela quando vai poder ter.
Invariavelmente, os pais vão ter de lidar com a persistência, as frustrações e o mau humor, sobretudo dos que estão entrando na pré-adolescência. E entender que a criança vai sempre querer ultrapassar os limites e não vai parar no primeiro “não”.

PARA ENTENDER OS LIMITES

Mas o que significa impor limitações a uma criança? Fazer com que ela aceite um “não” sem explicação e sem contestar? E possível deixar o pequeno falar e argumentar sem perder o controle sobre ele? Qual é o efeito das regras na sua formação como indivíduo?
Para adquirir as competências de regulação nos aspectos emocional, ético moral, social, ela precisa encontrar um ambiente que tenha regras. Se não há, essas capacidades não se de desenvolvem de forma adequada.
Segundo Ramos, conforme a criança cresce, vai se apropriando da habilidade de ela própria introjetar essas normas, até que passam a fazer parte de sua constituição psíquica. “Ela assimila
as regras e vai se estruturando a partir delas quando são boas e o ambiente é coerente, ou seja, quando a cobrança vem acompanhada do afeto.”
Impor limite a uma criança não significa limitá-la nem afastá-la. Muitos se preocupam em perder o afeto dos filhos por desagradá-los. “Em algum momento to você vai descontentar, porque ninguém gosta de ouvir ‘não’. Mas quando a relação afetiva é de boa qualidade o efeito é contrário”, explica Ramos.

Mais uma vez, Christian Dunker reitera que a chave do relacionamento está na escuta. Se ela for bem executada, a criança também vai aprender a ouvir: “Devemos dar atenção a ela, considerando que é uma pessoa que tem o seu próprio ponto de vista. Procure se abaixar para ficar no nível do seu filho, não use argumentos de opressão e estará ensinando como ele pode ouvir e ser ouvido.”

PARA, ENFIM, EDUCAR

De acordo com Fernando Ramos, na medida em que houve uma evolução muito rápida de costumes, com forte influência do desenvolvimento da tecnologia, as gerações mais novas ficaram inseguras. “Esses pais não têm mais um exemplo em que se basear porque as gerações anteriores são criticadas em muitos aspectos. E não sabem o que oferecer no lugar.”
A dificuldade de estabelecer limites e saber lidar com as birras e manhas tirou de Lua Barros o prazer de ser mãe. E foi esse sentimento e da busca pelos motivos que a levaram ao novo ofício de educadora parental. “De repente eu me vi gritando e impondo castigos. Lua tem 37 anos e é mãe de João, 11, Irene, 7, Teresa, 5, e Joaquim, 2. Quando engravidou do último, percebeu que a maternidade estava longe da idealiza da. Hoje, dá cursos para ajudar outras mães e conta que há pais que a procuram quando a criança tem a partir de 1 ano e meio porque não entendem o que está acontecendo com ela. As situações que chegam são as mais diversas, como “meu filho está batendo no amiguinho”, “minha filha está mentindo” comportamentos que são típicos das fases da criança. E aquela família está em pé de guerra, numa disputa de poder exaustiva, que traz desarmonia e acaba rotulando as crianças de “difíceis”.
A educadora parental lembra que a saída para essa situação deve ser sempre entender a criança e procurar, na rotina e no relacionamento com ela, possíveis causas para esse comportamento: “Os pais precisam se conectar com o filho e se desconectar da sua performance. Entender que os problemas estão neles próprios e que as soluções devem partir do afeto. Que a autoridade não se impõe, se constrói”, diz Lua.

Nem sempre é fácil. Porque, para educar, é preciso equilibrar a balança, ter autoridade sem ser autoritário, ponderar entre agressividade e permissividade. O caminho é árduo, mas tem de ser trilha do. Dúvidas costumam surgir nessa jornada: ao mesmo tempo em que os pais não deixam que a criança se frustre por que não querem ter de lidar com choro e birra – que vêm a reboque da imposição do limite -, quando estão fora de casa, segundo Lua, eles se veem pressionados a responder com mais agressividade, porque se sentem cobrados e têm medo do julgamento. “A criança fica sem saber em qual margem segurar, qual o papel do pai e da mãe, afinal. Como reflexo, está sempre testando. O pequeno simplesmente não reconhece os comandos porque eles não são colocados de forma clara”, explica Lua.
Na avaliação da educadora, ao hesitar, esses pais não conseguem exercer sua autoridade sem ser autoritários. “A criança de hoje já se percebe como um ser social desde muito nova e entende que não tem de abaixar a cabeça. Antigamente os filhos entendiam o pai pelo olhar, hoje você pode lançar aquela vi são de raio X e a criança nem se abala.”
“O mais importante é que os pais entendam que, se eles forem coerentes, tiverem regras sensatas e forem consistentes não vão prejudicar os filhos. Pelo contrário, vão ajudá-los”, conclui Fernando Ramos. “Os pais podem até ser criativos e passar isso para os filhos da sua maneira, mas de uma forma equilibrada. E assim que as relações se constroem e se fortalecem.”

 

Conteúdo original da Revista Crescer. 

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